Ray
Theresa Catharina de Góes Campos
Editora do Notícias
Culturais (www.noticiasculturais.com), é jornalista,
escritora e professora universitária
Ray - cinebiografia inserida na realidade socioeconômica
"Ray" (Ray - de Taylor Hackford - EUA, 2004 - 153 min.) é
uma cinebiografia inserida na realidade socioeconômica dos
EUA, que inclui a miséria e o racismo dificultando, desde a
infância, a vida da população negra, inclusive dos mais
talentosos. Uma história contada com realismo e sinceridade.
"As pressões do mundo, que nos fazem sentir pequenos."
Com Jamie Foxx em interpretação extraordinária, no elenco
estão, entre outros atores talentosos: Kerry Washington,
Regina King e Clifton Powell.
Destaco, também: a produção, direção, fotografia, trilha
sonora ( "Hit the Road Jack", "Georgia on My Mind" e outros
clássicos ), pesquisa, reconstituição de época, direção de
arte, figurinos e o roteiro; a apresentação dos créditos
iniciais e dos créditos finais; a bela cena, lírica e
poética do pequeno e deslumbrante beija-flor ...
Músico inventivo, a Ray Charles se atribui a criação de um
gênero, o soul, de enorme popularidade entre negros e
brancos - uma integração racial por meio do ritmo e da arte,
" uma proeza considerável nos EUA conservadores dos anos 50,
quando o cantor despontou. Além disso, marcou também a
história do rhythm & blues, do rock, do jazz e do country.
Sua energia vital, em boa parte responsável pelo carisma que
incendiava suas apresentações, o diferenciava de outros
talentos da mesma geração." (Sérgio Rizzo)
Em Albany, uma cidade pobre do estado da Georgia, nasceu Ray
Charles em 1930, tendo aos 7 anos que enfrentar o drama da
cegueira. Nessa época, perdeu seu companheiro de
brincadeiras, o irmão mais novo, afogado por acidente numa
tina com água.
"Não vou desistir de você. (...) Você é cego mas não é
idiota. Não deixe que tratem você como aleijado."
A dedicação da mãe, que sozinha sustentava a família, também
se manifestava quando insistia em sua independência como ser
humano, apesar da cegueira. Mas a presença materna não pôde
incentivá-lo por muito tempo. Ray ficou órfão logo após ter
começado a freqüentar a escola. Sua rotina seria enfrentar a
solidão da pele e da cegueira. E a covardia dos que se
sentem mais fortes, superiores.
"Sou cego, e não, idiota."
No teclado de um piano encontrou o seu dom artístico.
Tornou-se uma celebridade mundial da música ao unir, de
forma pioneira, o jazz ao country e ao gospel, gerando um
estilo próprio, inimitável.
Entretanto, eram inúmeras as dificuldades que enfrentava no
dia-a-dia, até para receber o pagamento negociado por suas
apresentações artísticas.
O sucesso veio concomitante aos obstáculos: explorado e
discriminado, vítima de preconceitos, maldades e
humilhações, inclusive por parte de negros à sua volta,
começa a se expressar contra a segregação racial nas casas
noturnas que o lançaram como artista. > E sofre as
conseqüências, como o cancelamento de contratos e turnês, e
os prejuízos financeiros. Ao mesmo tempo, sua vida pessoal e
profissional é marcada pelo vício da heroína.
"Ray" recebeu seis indicações ao Oscar, entre as quais de
Melhor Filme , Melhor Diretor e Melhor Ator. Documentando a
vida e a obra do músico genial, assim como a sua relação com
as gravadoras, também registrou a luta desigual contra a
desonestidade e o desrespeito à sua pessoa. Seu desespero
com a conscientização de que ele estava se tornando, pelo
vício, um aleijado.
Sua mãe costumava alertar:
"Atrás do mentiroso vem o ladrão."
O filme relata, ainda, situações de corrupção moral, cenas
explícitas de uso de drogas. Sem omitir, igualmente, a
volúpia de Ray Charles que, mesmo casado com Della Bea, e
com filhos, se relacionou extra-maritalmente com muitas
mulheres.
Sobre a heroína, a esposa lhe advertia:
"Isso é veneno. Não se experimenta veneno."
Já em sua primeira gravidez, Della Bea descobriu que o
marido estava viciado em heroína. Ficou sabendo, também, de
suas infidelidades constantes.
Somente quando Ray foi ameaçado de prisão, ele decidiu se
internar em clínica de reabilitação. Após o doloroso
tratamento, viveu sem usar heroína por mais de quarenta
anos. Além de atuar contra a segregação racial, ajudou
financeiramente várias universidades e deficientes cegos e
surdos.
Um momento histórico: em sessão solene, o governo da Georgia
pede desculpas a Ray Charles por tê-lo proibido de tocar no
estado e declara a música " Georgia on my mind " como hino
oficial da Georgia. Na cerimônia, Della Bea ( a quem os
produtores do filme, nos créditos finais, agradecem a
cooperação) e Ray Charles Robinson ( 1930-2004) demonstram
estar conscientes do significado da cerimônia para ele,
reconhecido como vitorioso e admirado por seu talento e a
sua criatividade. |