Intelectualidade marginalizada
Agnes Marta Altmann
(a partir de um texto de Enrico Bianco, artista plástico,
publicado no jornal Tribuna da Imprensa)
Sob o crivo da teoria do conhecimento: Todas as pessoas têm
o potencial de se educarem. Esse é o pressuposto no qual se
baseia toda sociedade fundada nos princípios do Estado de
Direito, qual seja, aquele que, para tanto, proporciona à
grande maioria um bom nível de educação. Mas será que a
independência socioeconômica ou a inteligência genial do
indivíduo é fator determinante na evolução intelectual do
ser humano?...Tais fatores determinam o processo de
civilização de amplo alcance na formação cultural do
Homem?... Por serem fatores raramente encontrados na espécie
humana, esse processo de evolução é elitista, porque os
meios socioeconômicos e a inteligência são raramente
encontrados de forma equânime nos indivíduos?...
Com efeito, nota-se a existência de "bolsões" intelectuais
que se afirmam mormente pelo uso de expressões de difícil
compreensão para as grandes massas... Por outro lado,
prevalece como fonte de conhecimento a informação global via
mídia, utilizada precariamente como veículo de uma
aculturação generalizada. Esta efetivamente não existe,
porquanto o simples fornecimento de informação desvinculada
da pedagogia educacional, não fixa cultura, por se limitar
ao conhecimento de fatos e ser apenas uma forma de alimentar
o elitismo cultural que continua a fazer vista grossa do
problema da educação nas diversas "castas" segregacionistas.
Na visão crítica sociológica, as tais diferenças econômicas
e culturais são "barreiras" com as quais cada indivíduo terá
que lutar para conseguir sua inclusão no processo de
civilização, e com isso obter sua "carteirinha de associado"
- o que ainda não é tudo, apenas a possibilidade de acesso à
`verdadeira cultura´.
Nas artes plásticas, por exemplo, segundo o arbítrio dos
pintores da denominada "vanguarda contemporânea" diz-se que
houve um retorno à "visão natural" do homem moderno, pela
saturação do academicismo cultural veiculada pelos meios de
comunicação de massa, em si mesmo agentes de popularização,
para não dizer, até banalização seja do classicismo como das
coisas sagradas e religiosas. Como exemplo, a "criativa"
rebeldia da guerra publicitária, não obstante, em muito
contribuiu para poluir o senso estético do que era tido como
`cultura elitista´ que até a imagem do sorriso angelical de
uma pintura como a de "Mona Lisa" se desgastou... Não só
essas visões publicitárias como tantos outros agentes
poluentes de aculturação, ademais com o intuito de promover
a vendas em massa têm a capacidade de minar valores
artísticos ou menosprezarem a dignidade dos quantos servem
de bodes expiatórios submetidos a `societatis´ de
"desentendidos", tornando até temerária a tentativa de se
ajustar o papel dos meios de "informação" ao processo
educativo. Devido à própria índole da Mídia de apenas
pincelar a realidade, de maneira não só polêmica,
arbitrária, superficial e não raro vulgar, contribui muito
mais para "esvaziar" a si mesma como a outros tantos
patrimônios culturais e processos educativos. Não é de
admirar que informações destinadas às massas, por serem
necessariamente "compactas" sejam tratadas superficialmente,
como passa-tempo e perdem para uma partida de futebol que
exerce muito mais atração até para quem não é aficcionado.
Com razão, alguns artistas `acadêmicos´ ou não, ressentidos
com a sensibilidade estética da atualidade, já bastante
poluída, anseiam pela volta da `percepção humana´,
focalizando as coisas comuns, banais e até grosseiras. Daí
afirmar o artista plástico Enrico Bianco, tal "tese seria
válida se isso tivesse efetivamente acontecido, mas não
aconteceu porque não existe passe de mágica capaz de
transformar ignorância em cultura", mormente por considerar
que "a informação, fornecida pela televisão e a imprensa é
útil, dinâmica e até estimulante, mas não educa." Contudo,
por que a TV não é aproveitada como veículo educador das
massas pela própria vocação massificante, e não ter seu
potencial utilizado muito mais para fins para fins
mercadológicos ou eleitoreiros? Como esperar que as
camuflagens fornecidas pela mídia sejam logo percebidas e
acabar com o receio dos artistas e intelectuais não serem
bem `interpretados´, com a ampliação do desejado grau de
compreensão dos que ainda hoje, na maioria, são
classificados como "público inadequado", porque grande
quantidade do material informativo de utilidade para as
massas não pode ser esmiuçado em meia hora de programa
televisivo e mesmo que fossem mais bem elaborados, não
repercutem, pois, como afirma o articulista citado, por um
lado, " a educação é um processo lento e laborioso para se
tornar a grande "ferramenta" da inteligência", e por outro,
"o equívoco de muitas "expressões" vanguardistas consiste
numa errada avaliação do nível cultural das massas, na
realidade muito aquém de uma possível "saturação
intelectual" previsível na ótica de "bolsões" sofisticados
da cultura do nosso tempo, mais preocupados em se promover
do que se propiciar ou pelo menos se `inteirar´ do real
nível cultural da sociedade em que vivem. É mesmo de
lamentar que, tanto na teoria como na prática do viver em
sociedade, não apenas o desejo mais o direito de contestar
não possa superar a importância a ser contestada, pelo risco
de se tornar incompreensível por um público inadequado ao
debate. O risco da síndrome do pânico das massas acarreta
males nefastos pelos baixos resultados até para compreensão
dos problemas civis, políticos, econômicos, sociais,
culturais, temas relevantes relativos ao exercício da
cidadania e dos direitos humanos (emprego, saúde, educação,
propriedade,direito do consumidor, à qualidade de vida, à
liberdade, à privacidade, direito de reunião, de
participação, de socialibilidade, de diversão, da religião,
de um meio ambiente sadio, de não molestar, de não privar do
conhecimento, de fazer valer a dignidade para que o ser
humano busque e encontre a própria felicidade), nem sempre
assimilados, malgrado os esforços da educação e do que se
mostra visível nas inúmeras manifestação plásticas dos
artistas, escritores, religiosos na intenção de mudar a
orientação, não apenas estética dos espectadores como
políticas, etc., pois a incompreensão das massas leva ao
malogro qualquer objetivo como processo de civilização, que
não seja pelas vias do autoritarismo e/ou da preponderância
do `elitismo´ segregacionista. A razão não é simples: se
apenas os gênios mudam os costumes, pode valer como
incentivo a "vontade de ser gênio", que por certo faria
aparecer novos gênios se houvesse mesmo espaço para os que
ainda têm a `vontade´ ou disposição de um verdadeiro gênio.
Este só se cultiva com o exercício da criatividade e
críticas, sugestões construtivas, e se há poucos `gênios´ ,
é porque o `elitismo da genialidade´ faz crer que é por
escassez de inteligência... Pudera, o grau de `embotamento´
não só reduz a inteligência como a percepção nanica,
patrocinada através da mídia embrutecedora que alimenta
culturalmente as massas com 'farelo'...
Referência:Vide artigo/Opinião de Enrico Bianco, artista
plástico in Tribuna da Imprensa, de 30/01/2004)
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