Ei, E-companheiros
SOB O SIGNO DA POESIA
Anderson Braga Horta, nosso maior poeta, está com novo
livro na praça. Desta feita, porém, de pura e escorreita
prosa, demonstrando, em crônicas, resenhas, artigos,
prefácios, ensaios e discursos acadêmicos, sua admirável
capacidade de colecionar amizades na comunidade das letras –
principalmente no âmbito de Brasília - e de acompanhá-las
na evolução natural do tempo. Em “Sob o Signo da Poesia”
(Thesaurus Editora), ele nos fala principalmente daqueles
que, como ele, se dedicam aos versos, com preocupação de
forma, de estilo e de linguagem. Aliás, a questão do bem
escrever, que intitula uma das resenhas, pode ser
considerada a preocupação maior desse seu livro. O poeta
critica o momento brasileiro de permissividade geral nos
costumes, nos meios de comunicação e na linguagem, que ele
atribui como causa o advento da Carta Magna de 1988,
mediante a qual a sociedade, que se urbaniza, como diz, a
galope e sem cautelas, reprimida, se vinga da ditadura,
ignorando e passando por cima das leis. Para ele, a
indisciplina lingüística é um capítulo dessa historia.
“Também na sociedade das letras vê-se essa urgência –
afirma Anderson - que evita o lento e difícil caminho da
disciplina e, coerentemente, zomba dos padrões de ontem.
Nesse quadro, que eu espero estar exagerando, se coloca a
indisciplina substancial e formal de muitos dos que procuram
realização ou afirmação na literatura. Assim, com certa
freqüência, se falamos em escrever corretamente, escrever
bem, somos tachados de passadistas, de maneiristas – e por
ai”. É possível que o poeta esteja se referindo – e bem
- aos manuais de redação de alguns jornais, que desfiguram
o idioma e aos chamados “escritores pasteurizados”, que
apenas assinam obras, escritas por terceiros em estilos
despersonalizados, sem cor e sem vida.
Mas o interessante é que o poeta não se restringe a
comentar a obra dos poetas que vivem ou viveram em Brasília,
abrindo também janela para as poesias portuguesa, africana
e búlgara, esta desconhecida dos brasileiros, da qual
destaca os nomes de Liubomir Levtchev, e de Rumen Stoyanov.
O primeiro, autor de “Observatório”, é um dos mais
lidos em seu país e fora dele, que pela temática, linguagem
e espírito, é fortemente influenciado por Maiacóvski. Apesar
disso, Levtchev, segundo Anderson, é um poeta de tom
romântico, a respeito de quem ele diz: “O espirito de
liberdade que percorre sua poesia – inclusive a liberdade de
expressão, de que é significativo o seu poema sobre verso
livre – assinala também o seu romantismo”. O segundo, é
um diplomata, que serviu por pouco tempo no Brasil, mas que
apesar disso aprendeu o português, adaptou-se às paisagens e
aos climas do país, realizando efetivo intercâmbio, cujas
principais atividades se deram no âmbito literário, já que
promoveu a apresentação de autores búlgaros em vernáculo e
autores brasileiros em sua língua natal. É de sua autoria,
por sinal, a tradução do “Observatorio”, de Liubomir
Levtchev, editado pela Editora, Montanha, em 1975. Stoyanov,
entretanto, não se contentou com o seu trabalho de tradutor.
Foi além. Tornou-se poeta em língua portuguesa, e segundo
Anderson, meritório, pois os versos reunidos em “Poemas
do Brasil”, que constituem a estréia do autor, embora
sem muita literatura, é de excelente qualidade “O
telurico e o humano – ressalta Anderson – são polos
comunicantes da personalidade de Rumen. Que tem versos
como estes: “Não te procuro no dicionário: prefiro o
encontro por acaso/caminho entre conversas e leituras,/sem
saber como és, mas seguro da tua existência/Caminho atento à
tua aparição e assim percebo nitidamente/o que os homens
fazem, dizem e escrevem. São, entretanto, os escritores
e poetas de Brasilia – que dominam as páginas de “Sob o
Signo da Poesia”, editado com recursos do Fundo da Arte
e da Cultura, da Secretaria de Estado da Cultura do Distrito
Federal, que assim presta inestimável serviço à literatura
que se elabora na Capital da República. Os trabalhos de
Almeida Fischer, Joanyr de Oliveira, Alan Vigiano, Fernando
Mendes Viana e Joao Carlos Taveira são os mais citados. E
comentados. Não há como deixar de destacar, porém, as
menções a Antonio Roberval Miketen, uma das maiores
vocações literárias que o autor afirma ter conhecido.
Poeta, ensaísta e ficcionista, Miketen, que faleceu aos 45
anos, no inverno de 1993, deixou, entre outros, os seguintes
livros: “Travessia de Grande Sertão: Veredas, “Enigma
e Realidade”, “O Sacrificio de Arlete” e “O
Inconsciente do Signo. São de Miketen estes versos ”Essas
mãos que tens/ pequeninas mãos, algas no silêncio, lavadas
de luz: /para que encontro,/diz-me, filha minha, / para que
destino/ a fonte as conduz? Embora tenha vivido
pouco tempo em Brasília, também o esquivo Abgar Renaud, que
só tardiamente publicou seus versos, é lembrado, com
justiça, no livro de Anderson Braga Horta, apresentando
versos como estes” Eu não sei quem Tu és. Mas sei que Tu
existes,/ e sei que és Tu que acendes as estrelas lá no
Alto/ e o lume, às vezes, da alegria na pobreza dos meus
olhos tristes”. REYNALDO DOMINGOS FERREIRA |