TERAPIAS COMPLEMENTARES


Perguntador incômodo
Antonio Caetano

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O perguntador incômodo

Eu e Lucas somos hiperativos. Eu, na verdade, nunca fui diagnosticado como tal, mas depois que li sobre o assunto, resolvi me solidarizar com o Lucas. Se hiperativo é o que se diz, tenho todos os sintomas. A diferença é que eu sou (ou seria) hiperativo há 45 anos e o Lucas só tem seis anos. É natural que ainda viva sua condição com estranheza e algum sofrimento.
Natural porque o mundo é, sob nosso ponto de vista, hipoativo. Para quem pensa muito rápido, o mundo parece lento. E quem pensa muito rápido, logo chega a uma conclusão, a princípio, aterradora: o mundo não tem sentido. Logo, qualquer regra carece de fundamento. O único fundamento para as regras é a crença coletiva nelas. O que, em lógica, se chama "círculo vicioso".

Agora, vai dizer isso pra eles...

Toda vez que o Lucas pergunta "Mas por quê?" - e o Lucas vive conjecturando sobre o porquê de tudo - logo empurra seus interlocutores para o abismo do fundamento. "As coisas são assim, porque são assim. E ponto final" é o que Lucas acaba ouvindo. Dogma e repetição, eis do que nos parece feita a dinâmica da sociedade humana.

Então, de maneira geral, as regras nos ofendem e os costumes nos entediam. "É sempre a mesma coisa", lamenta-se Lucas intimamente. E as explicações ainda são piores. Cedo, Lucas se torna alguém que faz perguntas que ninguém sabe responder. "A culpa é sua", lhe dizem. "O problema está em você perguntar e não em nós não sabermos responder". Assim começa a Inquisição. Feriu-se o dogma, logo é preciso procurar no perguntador incômodo os estigmas, agora chamados de sintomas. Em vez de fogueira, tratamento. É preciso controlar o perguntador incômodo. Então começa: "Lucas é disperso", "Lucas fala demais", "Lucas é insubordinado", "Lucas não gosta de atividades coletivas", "Lucas...." E as frases vão ficando cada vez mais longas... Nada disso: Lucas está só fazendo o que mais gosta. Lucas está pensando.

Só isso. É seu esporte preferido: arremesso de idéias. Achar relações entre os objetos mais díspares possíveis, embriagar-se de hipóteses, especular. Lucas é um produtor de sentidos. Claro, se o mundo não tem sentido, é preciso inventá-los. E Lucas livremente inventa labiríntica variação de improvisos, jam session intelectual que celebra a plasticidade desse mundo livre de sentido prévio. Mas vai dizer isso pra eles...

Lucas tem um faro apurado para a burrice. E logo aprende que o argumento da burrice é a autoridade. E a autoridade tem a força. Burrice. Autoridade. Violência. Lucas fareja - precisa aprender a farejar. Senão logo o estarão chamando de imoral ou insensível.
Porque Lucas vive numa época onde a "burrice, autoridade, violência" permite-se o requinte de trocar o nome das coisas. De dar novos nomes a coisas antigas. A hiperatividade agora chama-se distúrbio do índice de atenção ou síndrome do déficit de atenção - e outras variações igualmente burras. Burras porque não se trata, como só Lucas sabe, de "baixa atenção" mas de "hiperatenção". O nome hiperatividade ainda guardava alguma simpatia com os sentimentos de Lucas, mas foi decretado "politicamente incorreto".

Pode ser até que Lucas precise mesmo de algum tipo de atenção especial. Mas eu prefiro acreditar que tratamentos médicos devem ser sempre a última opção. Por hora, é melhor que se tome Lucas pelo que é: singular, como qualquer coisa deste mundo, mas destoante da maioria. Um criador em potencial, enfim. O que não é pouca coisa. Portanto, façam o favor: deixem o Lucas pensar.
 

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