CRÔNICAS


Irretocável
Silvana Duboc

Tenho cabelos vermelhos, pintados, para esconder os fios brancos.
Não me lembro exatamente em que ano eles começaram a branquear...
Tenho algumas rugas em volta dos olhos, também não me recordo quando elas começaram a aparecer.
Tento disfarçá-las, tantas novidades no campo da dermatologia, achei por bem aproveitá-las.
Do corpo não cuido quase,
só recentemente entrei para uma
academia por ordem médica.
Ele me disse que na minha
idade preciso de exercícios.
Mas falto mais do que vou,
não gosto de fazer ginástica.
Das minhas unhas cuido semanalmente, penso que elas são uma porta de visita.
Unhas maltratadas causam
uma péssima impressão.
De uns dois anos pra cá descobri os cremes e aí compro um aqui,
outro ali e no final não uso nenhum, mas compro, só de olhá-los na prateleira já percebo que as rugas se retraem.
Sou assim, vaidosa, mas não sou em excesso, penso que sou na medida certa, na medida correta para uma mulher.
Enfim os anos passam e as
marcas que eles deixam em nós,
não temos como conter.
Nem pretendo isso.
Acho que cada marca que meu corpo carrega tem uma linda história.
Às vezes me pego na frente do espelho descobrindo uma nova ruguinha e já me coloco a pensar o que a causou.
Depois reencontro com outra que já está lá vincada há anos e me recordo que ela apareceu quando perdi um grande amor.
Poderia enumerar também a história de cada fio de cabelo branco.
Foram filhos, maridos,
amigos que colocaram eles ali.
Não quero me desfazer de nenhuma dessas marcas, apenas amenizá-las, acho que mereço isso.
A vida me deve isso.
Atualmente a parte que merece mais atenção minha tem sido a cabeça.
Tento todos os dias colocá-la no lugar, equilibrá-la, alimentá-la
com sonhos e alegrias.
Corpo e mente caminham juntos,
se um estiver em estado lastimável o outro provavelmente vai se deteriorar.
Não escondo minha idade,
não adiantaria falar que tenho trinta e cinco e apresentar uma
filha de vinte e sete.
Portanto eu confesso, tenho quarenta e oito anos.
Metade deles, bem vividos,
a outra metade muito sofridos.
Mas é exatamente aí que está
o encanto da minha idade.
Conheci de tudo um pouco, das lágrimas aos sorrisos e ambos me
fizeram ser essa pessoa que sou hoje.
Ficaram as rugas no rosto e na alma, mas também ficaram sorrisos em ambos.
Minhas rugas mais bonitas são aquelas marcas de expressão que eu adquiri por tanto sorrir,
muitas vezes, quando o coração chorava.

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Castelo dos Sonhos.
21 agosto 2004.

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