EDITORIAIS


Mais um impostor? Janer Cristaldo
14/03/2005

Comemora-se nesta segunda feira o aniversário de Albert Einstein, nascido em 1879. Comemora-se neste ano um século de existência da teoria da relatividade. Morreu, na terça-feira passada, o físico César Lattes, descobridor do pi méson, partícula fundamental para entender-se a coesão do núcleo do átomo.

O escritor Ernesto Sábato, para quem não saiba, começou sua vida como físico nuclear. Em Uno y el Universo, seu primeiro livro, nos fala de um amigo que lhe pediu uma explicação da teoria de Einstein. Sábato fala de tensores e geodésicas tetradimensionais. O interlocutor não entende uma única palavra. Sábato tenta uma explicação menos técnica, conservando algumas geodésicas, mas fazendo intervir aviadores e disparos de revólver.

- Já entendi quase tudo - diz seu amigo. - Mas há algo que ainda não entendo: essas geodésicas, essas coordenadas...

Deprimido, Sábato abandona as geodésicas e coordenadas e se dedica exclusivamente a aviadores que fumam enquanto viajam à velocidade da luz, a chefes de estação que disparam um revólver com a mão direita e verificam tempos com um cronômetro que têm na mão esquerda, a trens e sinos.

- Agora sim, agora entendi a relatividade! - exclama seu amigo com alegria.

- Sim, - responde Sábato amargamente - mas agora não é mais a relatividade.

Em matéria de compreensão da teoria da relatividade, sou como este amigo de Sábato: só consigo entendê-la quando já não é mais a relatividade. Assim, neste ano em que a teoria da relatividade completa cem anos, não é dela que pretendo falar. Nem teria condições para. Comentarei, isto sim, as controvérsias em torno à sua descoberta, assunto acessível para quem quer que saiba ler.

No início deste ano, jornais de todos azimutes, celebraram Albert Einstein como o autor da mais famosa teoria do século passado. No Brasil - diz-nos o Estadão - a data será marcada por exposições, lançamentos de livros e várias atividades em escolas e universidades. Imagine então o que não estará ocorrendo no Ocidente, particularmente na Alemanha e Israel. Mas - particulazinha chata esta - se a teoria da relatividade é indiscutivelmente a mais famosa do século, é bastante discutível que Einstein seja seu autor.

César Lattes, considerado o maior físico brasileiro do século passado, já não pensava o mesmo. Em reportagem publicada no dia 5 de agosto de 1996, no jornal Diário do Povo, de Campinas (SP), afirma com todas as letras:

- Einstein é uma fraude, uma besta! Ele não sabia a diferença entre uma grandeza física e uma medida de grandeza, uma falha elementar.

E vai mais longe:

- Ele plagiou a Teoria da Relatividade do físico e matemático francês Henri Poincaré, em 1905. A Teoria da Relatividade não é invenção dele. Já existe há séculos. Vem da Renascença, de Leonardo Da Vinci, Galileu e Giordano Bruno. Ele não inventou a relatividade. Quem realizou os cálculos corretos para a relatividade foi Poincaré. A fama de Einstein é mais fruto do lobby dele na física do que de seus méritos como cientista. Ele plagiou a Teoria da Relatividade. Se você pegar o livro de história da física de Whittaker, você verá que a Teoria da Relatividade é atribuída a Henri Poincaré e Hawdrik Lawrence. Na primeira edição da Teoria da Relatividade de Einstein, que ele chamou de Teoria da Relatividade Restrita, ele confundiu medida com grandeza. Na segunda edição, a Teoria da Relatividade Geral, ele confundiu o número com a medida. Uma grande bobagem. Einstein sempre foi uma pessoa dúbia. Ele foi o pacifista que influenciou Roosevelt a fazer a bomba atômica. Além disso, ele não gostava de tomar banho...

O que mais uma vez comprova que, neste país, é mais fácil encontrar liberdade de expressão nos pequenos jornais que na grande imprensa. Mais um trecho do Diário do Povo:

DP - Então o senhor considera a Teoria da Relatividade errada? Aquela famosa equação "E=MC²" está errada?

César Lattes - A equação está certa. É do Henri Poincaré. Já a teoria da relatividade do Einstein está errada. E há vários indícios que comprovam esse ponto de vista.

DP - Mas, professor, periodicamente lemos que mais uma teoria de Einstein foi comprovada...

César Lattes - É coisa da galera dele, do lobby dele, que alimenta essa lenda. Ele não era tudo isso. Tem muita gente ganhando a vida ensinando as teorias do Einstein.

Se alguém achar que um campineiro não tem autoridade para contestar o gênio alemão, leiamos trecho do verbete Poincaré, da Britannica: "Em 1906, em um paper sobre a dinâmica dos elétrons, ele obteve, independentemente de Eistein, muitos dos resultados da teoria especial da relatividade. A principal diferença era que Einstein desenvolveu sua teoria a partir de considerações elementares a respeito da sinalização da luz, enquanto o enfoque de Poincaré era baseado na teoria do eletromagnetismo e restrito aos fenômenos associados com o conceito de um éter universal que funcionava como meio de transmissão da luz".

Mas a história não termina aí. Segundo o engenheiro e pesquisador Christian Marchal, Henri Poincaré apresentou o princípio da relatividade no congresso científico mundial de Saint-Louis, no Missouri, em setembro de 1904. Em 5 de junho de 1905, reapresentou-o à Académie des Sciences de Paris, e o trabalho foi publicado em 9 de junho do mesmo ano. Segundo Marchal, o trabalho de Einstein sobre a relatividade em 1905 contém os mesmos resultados que o de Poincaré.

"Einstein evidentemente não pode utilizar o trabalho de Poincaré publicado em julho de 1905 para escrever seu próprio texto, mas a Note à l'académie, do 5 de junho chegou a Berna, em tempo, no 12 ou 13 de junho, e lê-la fazia parte do trabalho ordinário de Einstein. Pois a ele cabia resumir para os Annalen der Physik os trabalhos de física mais interessantes, entre estes os resumos da Académie des Sciences de Paris".

Para Marchal, a morte precoce de Poincaré por câncer em 1912 e a ausência no trabalho de Einstein sobre a relatividade em 1905 não seriam as únicas razões pelas quais o matemático francês é tão ignorado e Einstein tão célebre. Se Poincaré tivesse a possibilidade de publicar em uma grande revista de física, como os Annalen der Physik de Einstein, ele teria uma grande audiência. Mas ele só encontrou a Rendiconti del Circolo Matematico di Palermo para publicar seu trabalho maior de 1905, uma pequena revista de matemática que não era conhecida pelos físicos.

A glória de Poincaré acabou sendo salva por seu amigo holandês Hendrik Antoon Lorentz, prêmio Nobel de Física (1902). Em 1921, após o triunfo do eclipse do sol de 1919, o comitê Nobel se reuniu com um primeiro pensamento: "Nós devemos dar o prêmio Nobel a Einstein, pela relatividade. Lorentz protestou: "Não é justo!". E publicou um ensaio sobre a vida de Poincaré que ele havia escrito em 1914. "Poincaré obteve uma invariante perfeita das equações da eletrodinâmica e formulou o "postulado da relatividade", termos que ele foi o primeiro a empregar".

Constrangido, o comitê Nobel pensou melhor e, após alguns meses de reflexão, decidiu dar o prêmio Nobel a Einstein, não pela relatividade... mas pelo efeito fotoelétrico. Marchal não cede: Poincaré é o pai do princípio da relatividade e o fundador da relatividade restrita. A imprensa brasileira, seja ao comentar a morte de Lattes, seja ao celebrar os cem anos da relatividade, não deu um pio sobre esta controvérsia, de conhecimento público desde os anos 20. Mais detalhes em http://annales.org/archives/x/poincare7.html.

Marx morreu, Freud agoniza. Terão chegado os dias de Einstein?
 

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