EDITORIAIS


STRESSE DE FINAL DE ANO

Um dos mal estares que mais causam desconforto ao ser humano é o conhecido estresse de final de ano. Famílias se reúnem nas festas de final de ano para se confraternizarem e, de repente ... lá vem uma explosão de ódios, rancores e ressentimentos mútuos. É como se a festa de final de ano fosse a gota d'água que faltava para que o acúmulo de emoções reprimidas durante o ano inteiro viesse à tona, de supetão. Mães ressentidas queixam-se dos maridos e filhos ingratos; maridos frustrados descarregam na família todo seu sentimento de impotência; filhos, influenciados pelo apelo consumista da mídia, cobram dos pais o que eles não podem dar deixando-os, angustiados e infelizes por não poderem atendê-los.

Mas, por que será que o ser humano tende se estressar tanto no final do ano?

Dizem que final de ano é o momento do acerto de contas consigo mesmo. Quanto mais exigente o indivíduo for para consigo, maior será o seu saldo negativo. Quanto maior for a expectativa que ele tiver em relação à sua auto-imagem, mais ele estará distanciado de quem ele realmente é.

Desde pequenos, vamos construindo uma imagem idealizada daquilo que gostaríamos de ser. Essa imagem leva-nos a trabalhar, arduamente, para tentar atingir metas e objetivos que vão fortalecendo a nossa auto-estima. Porém, quando esta imagem é construída de forma perfeccionista e colocada num nível muito alto, ela se torna uma fantasia destrutiva que ameaça e desvaloriza a nossa auto-estima. O nosso eu real diante daquela imagem, que às vezes é por demais perfeita e inatingível, sente-se inferior, incapaz e incompetente. À medida que o tempo vai passando, nosso verdadeiro Eu vai se sentindo culpado por não conseguir atingir coisas que muitas vezes estão fora de nosso alcance. Gastamos tempo e energia em direções equivocadas e muitas vezes não descobrimos que as grandes realizações estão bem abaixo de nossos narizes. Não as enxergamos por não conseguirmos valorizar e aceitar quem realmente somos.

E assim chega o final de mais um ano e vêm as festas, comemorações e todo um apelo de que você esteja muito feliz, realizado e com muito dinheiro para gastar. Mas é justamente neste momento que você, fazendo o balanço de sua vida, "cai na real" e, dependendo de suas expectativas acerca de si mesmo, pode "cair do cavalo".

Nossa mente é capaz de suportar muitas coisas, mas diante de um excesso de cobranças e expectativas, vai ficando tão sobrecarregada que sofremos uma espécie de má digestão psíquica. Dá-se um tilt emocional e nosso mecanismo de defesa diante desse excesso emocional é o de explosão: expulsamos tudo aquilo que faz mal ao nosso eu. Jogamos para fora tudo que ficou acumulado e não conseguimos digerir, e ao fazermos isto estaremos atingindo as pessoas em nossa volta, principalmente, as que amamos. Exigimos dos outros aquilo que cobramos de nós mesmos; tornamo-nos cruéis e implacáveis com os erros alheios pois, internamente, não conseguimos nos perdoar.

Mas o que fazer para não estragar nosso final de ano? A primeira coisa a fazer é reconciliar nossos dois eus. O eu dos sonhos com o eu real. Baixando a bola e a expectativa que temos de nós mesmos, podemos aproximar nossos sonhos de nossa realidade. Pessoas que não conseguem aceitar suas próprias limitações, sofrem muito por não conseguirem ser aquilo que gostariam. Estas são as maiores candidatas ao estresse de final de ano. É importante que essas pessoas aprendam a se aceitarem, a respeitarem seus próprios limites e a se perdoarem, para poderem perdoar os outros. Tentem de novo, façam novos planos para o próximo ano, analisem seus erros e seus acertos e vejam onde devem mudar. Apostem em si novamente e confraternizem junto aos seus com aquilo que possuem de mais nobre: a capacidade de amar.

Marisa Queiroz
Psicanalista, membro da Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro.
marisa.queiroz@terra.com.br

Rio de Janeiro, dez/2004

Data do envio:
16/12/2004
 

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