EDITORIAIS


A vida dupla do procurador da República

Na quarta-feira, o procurador da República Guilherme Schelb foi uma das estrelas na solenidade de encerramento da CPI da Pirataria. Recebeu do presidente da Câmara, João Paulo Cunha, uma insígnia e um diploma por sua atuação em investigações que desmantelaram quadrilhas de contrabando e falsificação de cigarros e de adulteração de combustíveis. A cerimônia teve um duplo significado para ele. O primeiro foi o de mais um reconhecimento de seu trabalho como servidor público, sempre na linha de frente do combate à corrupção. O outro foi a presença na platéia de representantes das maiores empresas brasileiras de combustíveis, cigarros e bebidas - clientes potenciais para a nova atividade do procurador. Ele é   dono de 98% das ações da empresa GS Centro de Educação e Prevenção da Violência Infanto-Juvenil Ltda.- os demais 2% são de sua mãe, Alzira. A GS foi criada em maio. A partir de junho, vem encaminhando a grandes empresas pedidos de financiamento de um projeto que consiste num livro escrito pelo próprio Schelb ainda em fase de revisão e um site em construção. O problema é que o empresário Schelb pediu patrocínio a algumas empresas que podem ter interesses em investigações promovidas pelo procurador Schelb.
 
O procurador confirma que enviou pedidos de patrocínio no valor de R$70 mil cada um a Souza Cruz, Fiat, Coca-Cola, Volkswagem e ao Sindicato de Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom). Gerou constrangimentos. Schelb participou da força-tarefa formada pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Receita Federal que investigou o contrabando e a falsificação de cigarros. Com a quebra dos   sigilos fiscal e telefônico de Ari Natalino e Roberto Eleutério, foi desmantelada a maior quadrilha de cigarros do país. A diretoria da Souza Cruz, que se livrou de uma concorrência desleal, recebeu há duas semanas um pedido de patrocínio da empresa de Schelb.

A apuração do procurador também atingiu em cheio a Petroforte Brasileiro Petróleo Ltda., uma grande distribuidora que foi fechada pela Agência Nacional de Petróleo após a descoberta de que fraudava combustíveis e sonegava impostos. O resultado foi comemorado pelos gigantes da  distribuição de petróleo no país que têm um programa de combate à fraude tocado pelo Sindicom. No dia 18 de junho, a estagiária Miriam Brunet, do gabinete de Schelb no Ministério Público, enviou um e-mail ao Sindicom com o pedido de patrocínio para o projeto do empresário Schelb. 'Não vejo   nenhum conflito de interesses nisso. A sociedade brasileira toda foi beneficiada com as minhas investigações', diz Schelb.

De acordo com o procurador, até agora ele só recebeu patrocínio da Brasil Telecom, do banqueiro Daniel Dantas. Schelb alega que não há conflito de interesse porque não investigou e nem assinou nenhuma ação contra a empresa. 'Eu não faço propostas a empresas que investiguei.' Confrontado   com a informação de que teria trabalhado ao lado do procurador Luiz Francisco de Souza na apuração da privatização das empresas de telefonia, ele voltou a negar. 'Perguntem ao Luiz Francisco. Ele vai confirmar que não tive participação neste caso', sugeriu Schelb. A versão de Luiz   Francisco é outra: 'O escândalo das teles foi um trabalho que eu e Schelb fizemos juntos, ele só não assinou'.
 
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PROPOSTA

Uma funcionária de Schelb no Ministério Público encaminhou aos empresários e-mail com pedido de 'patrocínio' ao livro do procurador

A empresa de Schelb tem sede numa pequena sala de um edifício comercial de Brasília. No endereço da GS registrado na Junta Comercial, ÉPOCA encontrou apenas uma porta fechada. O porteiro do prédio informou que a sala pertence à advogada Fabiana Vendramini, amiga do procurador. Ela tem procuração para movimentar a conta da GS. Com a criação da GS, o gabinete de Schelb acumulou funções. Em vez de se limitar ao manejo de processos e ofícios, o local também passou a servir como base de operações da empresa. Até o site da GS foi registrado com endereço, telefone e e-mail da Procuradoria. O registro foi feito no dia 4 de junho. Precavido, Schelb reservou dois domínios: 'violenciaecriminalidade.com.br' e   'metodoschelb.com.br'. Quem digita qualquer um dos dois endereços vai parar no site da GS, ainda em construção. 'Foi algum equívoco. Tudo é da GS, não tem nenhuma vinculação com a Procuradoria', argumenta Schelb.

Não foi apenas no registro do site que o procurador usou a estrutura do Ministério Público. A responsável pelo envio de propostas às empresas era uma estagiária do procurador. Segundo Schelb, hoje ela é sua 'assessora pessoal'. Mesmo assim, continua trabalhando no gabinete. Às empresas,   Schelb apresenta um orçamento detalhado para a aplicação dos R$70 mil de cada patrocínio: R$ 48.569 são reservados para a compra e distribuição de seu livro, R$ 10 mil para a manutenção de um site e o resto é destinado a pagamento de impostos. Segundo ele, os livros patrocinados pelos   empresários serão distribuídos no Paraná pelo governo do Estado.





 

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