J I M M Y - UMA HISTÓRIA REAL
Célia Virgínia Ramos Rodrigues
Vendo todo esse debate sobre a maioridade penal e ouvindo opiniões
de pessoas com as quais me relaciono, resolvi escrever a história do
Jimmy, pelo menos a partir dos 8 anos que foi quando o vi pela
primeira vez.
A narrativa a seguir é tal qual aconteceu:
Num dia qualquer do ano de 1995, ouvindo tocar o interfone de minha
casa, atendi:
- Pois não?
- Tia tem alguma coisinha pra dá?
- O que você quer?
- Quero um pacote de bolacha recheada.
Nunca uma criança fora tão sincera e objetiva. Peguei o pacote de
bolacha, fui até o portão, abri-o e deparei-me com um menino alegre,
olhos muito vivos, esperto, bonito! Dei-lhe o que pedira. Ele pegou
e disse:
- Você me deu?!- espantado, surpreso e alegre. Pulando, saiu
gritando:
- Eu sou feliz! Eu sou feliz!
Desse dia em diante, passou a bater com freqüência no meu portão.
Certa vez, perguntei-lhe:
- Como é seu nome?
- "Dimi", tia. Mas, escreve com J, porque meu nome é "americano"!
- Que chique! Você tem nome "americano"?
- É- respondeu ele, todo orgulhoso.
O tempo foi passando e fomos ficando cada vez mais amigos. Às vezes,
vinha com o irmãozinho, Antonio, outras, com os amigos: Joelcio e
Joelton. Quando estes vinham sozinhos, diziam ao interfone:
-Somos os amigos do Jimmy! - pois tinham a certeza de que assim
seriam reconhecidos e atendidos. Jimmy tornou-se, então, referência
para eu atender ao portão. Os meses se passavam, a turma também
crescia, vieram: Wagner, Marcelinho, Alissom.
Quando o ano letivo iniciava, eles pediam-me material escolar:
- Eu queria um caderno "manero", Célia.
Eu lhes dava o que pediam e eles sorridentes e felizes, sempre
dizendo ao se despedir:
- Obrigado, Célia. Fique com Deus!
Ao que eu respondia:
- Amém, que Deus os acompanhe!
Quando o Jimmy completou 13 anos, o dono da panificadora da esquina
ofertou-lhe emprego: "ajudante de padeiro". Jimmy ficou felicíssimo,
veio contar-me eufórico e pediu que o ajudasse a fazer a Carteira de
Identidade.
Marcamos, então, o dia e ele veio todo arrumado para sair comigo.
Tiramos foto e fomos fazer a identidade. Alguns dias depois, com a
identidade em mãos, tínhamos que ir primeiro ao Juiz para conseguir
uma autorização, pois ele era menor. Este pediu para falar com a
mãe. Marcamos outro dia. Passei em sua casa, ele veio de mãos dadas
com a mãe. Percebi que se tratavam com muito carinho. Ela era alta,
magra e estava muito pálida. O Juiz recebeu-os, todavia não deu a
tão almejada autorização. Disse que o Jimmy só poderia trabalhar
após completar 14 anos (era a idade permitida naquele ano). Nem
mesmo a mãe justificando, dizendo que estava doente, que tinha
outros quatro filhos menores, que seu atual companheiro estava
preso, convenceu o Juiz. Então, fomos embora. Alguns dias depois,
Jimmy procurou-me e disse que queria entrar na Guarda Mirim. Fomos
até lá e na secretaria, informaram-nos que só admitiam meninos após
completarem 14 anos. Disse-lhe:
- Jimmy, eles querem que você só estude e brinque até completar os
14 anos.
- Mas, Célia - respondeu-me ele - eu tenho que ajudar minha mãe!
- Infelizmente, não há nada que eu possa fazer nesse sentido. Temos
que esperar mais um ano. Algum tempo depois, conversei com uma amiga
que trabalhava na Secretaria de Promoção Social, contei-lhe a
história e ela garantiu-me uma vaga - quando ele completasse 14
anos. No dia seguinte, disse-lhe o que conseguira e ele falou:
- Então, até lá, vou cuidar de carros. Assim foi: estudava pela
manhã e à tarde nas ruas e à noite em
frente à pizzarias, cuidava de carros para ajudar em casa.
Lembro-me de uma noite de frio intenso e muita umidade, antes de ir
"trabalhar", passou em minha casa e pediu comida. Estava sem
agasalho e com os pés descalços. Dei-lhe de comer, agasalhei-o e ele
foi trabalhar. O tempo passou, e suas visitas foram rareando, até
que um dia sua mãe veio procurar-me e pediu ajuda para comprar gás.
Deu-me uma triste notícia:descobrira que o Jimmy estava usando
drogas.Disse-me que quando descobriu, perdeu o controle e surrou-o.
Por isso foi chamada no Conselho Tutelar e orientaram-na de que não
adiantava bater e sugeriram-lhe tratamento no Sítio Vida. Ele estava
lá há algumas semanas."O dinheiro que ele ganhava, cuidando de
carros, era pouco, mas está fazendo falta".- disse-me ela. Num
sábado pela manhã, estava tomando café, quando tocou a campainha -
era o Jimmy. Convidei-o para entrar e tomar café comigo. Estava
acompanhado do Joelton. Portaram-se educadamente à mesa. Pude,
então, notar que tinham boa orientação em casa. Ele estava bem
arrumado e feliz por estar se recuperando. Contou-me que no próximo
final de semana, os responsáveis pelo Sítio iriam levar todos para
conhecer o mar. Estava radiante e eu também fiquei feliz por vê-lo
assim. Porém, ele não viajou. Teve que voltar para casa às pressas,
sua mãe fora hospitalizada, estava com tuberculose em fase
adiantada. Por isso, voltou a "trabalhar " nas ruas cuidando de
carros. Antes de completar os 14 anos, sua mãe morreu. Ele e seus
irmãos, Antonio, Walcemar, Priscila e Estefani ficaram sob a
responsabilidade de sua avó materna que também é muito carente. O
Jimmy não veio mais a minha casa. Só através de seu irmão e amigos,
ficava sabendo dele: estava usando drogas e não queria que eu o
visse assim. Certa vez, encontrei-o à noite na feirinha perto de
minha casa. Chamei-o. Ele olhou-me. Seu olhar era vago, distante.
Não me reconheceu. "Jimmy, sou eu a Célia! Como você está?"
Ele só ficou olhando, não me disse nada. Tinha ,finalmente, 14 anos!
Dezembro chegou e ele não apareceu para irmos fazer sua inscrição na
Guarda Mirim a qual tanto desejara. Perdera a disposição para
qualquer coisa. Todavia, se estivesse tudo bem de nada adiantaria,
pois a idade para iniciação ao trabalho mudara para 16 anos. Neste
27 de novembro, encontrei-o, novamente, na feirinha, agora com 16
anos. Estava lúcido. Está se esforçando sozinho para ficar assim,
porque o Sítio Vida foi desativado. Porém estava triste. Disse-lhe:
- Pense positivo, Jimmy! Pense grande, você vai vencer, ainda vai
ser muito feliz!Ao que me respondeu:
- Eu pensei ... nada deu certo. Eu cansei. Agora vou pensar pequeno.
- Não desanime, Jimmy, às vezes as coisas que queremos demoram um
pouco, mas se continuarmos desejando, elas se realizam.
Ele ficou calado. Depois conversamos mais um pouco, despedi-me:
- Tchau, turma! (Estava com o Joelton, Alisson e Marcelinho.
Este estava na banca de pastéis, pedindo para que alguém lhe pagasse
um.)
- Tchau, Célia! Vai com Deus!
- Obrigada! Deus fique com vocês também!
O Jimmy, quando tinha 13 anos, não pôde ser ajudante de padeiro, não
pôde trabalhar, porém, na Câmara Federal e no Senado, há 58 projetos
de lei para a redução da maioridade penal. Chegou-se a propor 13
anos "porque já sabem o que fazem". Nesta sexta-feira, 28 de
novembro, houve, em Curitiba, uma grande manifestação popular contra
a violência. Estava em meu carro e assustou-me muitíssimo ao ouvir
pelo rádio quais eram as reivindicações: "mais policiais, mais
armas, mais carros para estes, mais módulos policiais, mais
penitenciárias." Assustei-me, porque não ouvi ninguém pedir: mais
escolas, mais Centros de Educação Infantil Integral, mais Oficinas
para iniciação ao trabalho, mais esporte orientado, mais oficinas de
teatro, mais atividades musicais etc., para que as crianças e jovens
carentes não fiquem jogados na rua, manipulados por bandidos e
traficantes.
Será que isto não seria mais barato ou pelo menos mais gratificante
que ficar sustentado e tentando recuperar bandidos e viciados?
PRECISAMOS, URGENTEMENTE, DE UM GRANDE DEBATE, EM ÂMBITO NACIONAL,
PARA ESCLARECER E CONSCIENTIZAR A SOCIEDADE, OS POLÍTICOS, OS
GOVERNANTES QUE INVESTINDO EM NOSSAS CRIANÇAS E JOVENS, HAVERÁUM
FUTURO MELHOR PARA TODOS!
Os Homens, para fazer a História, precisam estar em condições de
viver. Mas para viver é preciso, antes de mais nada: COMER, BEBER,
MORAR, VESTIR E ESTUDAR. "Não existe liberdade completa para o
indivíduo, enquanto não existir liberdade para todos." Eduin Markhan
Anseio que esta HISTÓRIA não tenha sido escrita em vão! Quero
adiantar que hoje, quem bate em meu portão é um menino de 09 anos, o
Alex. "Tem lixo que não é lixo?" Levo-lhe o lixo que reciclo e um
pacote de bolacha recheada. "Obrigado, Célia." "Eu é que lhe
agradeço, por estar cuidando do Planeta para todos nós." Ele sorri,
demonstrando felicidade e se vai. Fico pensando: Qual será o seu
futuro se tudo continuar como está? Agradeço a oportunidade que me
deram para contar esta história que, infelizmente, é uma HISTÓRIA
REAL.
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