EDITORIAIS


PREFÁCIO de ARIANO SUASSUNA para o livro "A TV nos tornou mais humanos? Princípios da Comunicação pela TV " de Theresa Catharina de Góes Campos

UM LIVRO SOBRE TELEVISÃO

Conheci Theresa Catharina depois que passei a dirigir o Departamento de Extensão Cultural da U.F. Pe., e, ela, a Rádio Universitária: estas duas repartições funcionam juntas, nas mesmas dependências da Reitoria,sendo que a Rádio já foi uma Divisão do DEC. Hoje,é autônoma, motivo pelo qual não tive o prazer e a honra de trabalhar com Theresa Catharina. Apesar disso,porém, as ligações entre o DEC e a Rádio continuam, porque temos, ainda, muitas áreas de trabalho relacionadas. A Música é uma delas, e várias vezes eu tenho aparecido na Rádio, para importunar a Diretora e seus auxiliares com fitas e gravações do Seminário de Criação e Interpretação Musical Nordestina que o DEC promove.

Nunca eu poderia supor, porém, que aquela moça discreta, cortês e modesta, sempre com um ar de quem teme ser pesada aos outros, fosse uma mestra em Teoria das Comunicações. E, mais do que isso, que aliasse sua capacidade administrativa ao dom de escrever. Sim, porque Theresa Catharina de Góes Campos estréia este ano como escritora. E, fato raro entre os escritores que começam, este seu segundo livro sai quase ,imediatamente depois do primeiro, editado no Rio, com distribuição nacional.

Passei a vista no primeiro , uma espécie de apanhado geral, de visão o quanto possível completa do campo das comunicações. Para ser absolutamente franco,eu me sentiria menos constrangido prefaciando o primeiro, do que escrevendo estas linhas mal-arrumadas sobre o segundo. Entende-se: o primeiro, sendo mais geral, tem muitos assuntos que me deixariam mais seguro - inclusive o Teatro.

Já quanto a este, todo mundo que me conhece sabe da pouca simpatia que tenho pela Televisão. Aliás, expliquei a Theresa Catharina a dificuldade em que me encontrava, por causa disso. Ela, porém, demonstrando grande poder de compreensão, autorizou-me a fazer o prefácio como entendesse. Disse-me, inclusive, que eu desse um depoimento sobre os motivos de minha pouca simpatia, porque isso poderia servir de ponto de partida para reflexões e estudos. Então concordei e passo a expor tudo, do modo que me é possível.

Em primeiro lugar, quero esclarecer que não faço essa declaração por mania de ser diferente ou original.Também não a faço num sentido de desrespeito ou desapreço por aqueles que dedicam à Televisão, com honestidade, o melhor de suas vidas e de seu trabalho. O problema é muito mais complexo. Minha antipatia vem de outras causas. A primeira , talvez seja a sensação de impaciência e frustração que experimento vendo mal usado e desperdiçado aquilo que tem tanta força, tanto poder de persuadir e influenciar para a Cultura verdadeira. Depois, vem do ar de empáfia com que os figurões, os "grandes mentirosos" da Televisão, se arvoram em árbitros do gosto, atribuindo ao Povo ( que está sendo deformado, poreles, aos poucos) suas próprias opiniões, suas próprias deformações.

Tenho um amigo que, a esse respeito, vive se rebelando contra a célebre frase -feita de que "macaco é doido por banana". Ele retruca, indignado: "Como é que podem saber disso, se só dão banana ao macaco? O macaco está faminto, dão-lhe uma banana, ele a come com avidez e as pessoas dizem: "Como ele gosta de banana!". Macaco, como todo mundo, gosta é de comida". E meu amigo conclui. "Dêem um rosbife ao macaco, que nunca mais ele come banana satisfeito."

Coisa semelhante fazem os figurões da Televisão com o Povo. A necessidade de consumo de Arte é evidente em qualquer se humano.A televisão só oferece a o Povo as guitarras inglesas ou as bananas e abacaxis tropicalistas, tomando todo o cuidado para evitar que o Povo tome contacto com os verdadeiros artistas brasileiros. Aliás, a crise é mais ampla e atinge até todo o campo da Arte erudita. Já que estamos falando de Música, há toda uma propaganda, todo um espírito dirigido no sentido de fazer a Música brasileira adotar os processos, os cacoetes e os becos-sem-saída da Música européia e norte - americana. Mas não vou tão longe. Fiquemos no campo da Música popular, pra facilitar a discussão.Como é que se explica o boicote sistemático que a Televisão brasileira executou com Ataulfo Alves? Nunca Ataulfo Alves teve um programa só para ele, nunca teve uma propaganda sistemática e contínua.

Por quê? Porque ele "não fazia parte do jogo, da farsa gigantesca "da coligação dos prestígios". Depois que ele morreu, prestaram-lhe "comovidas homenagens" e, com um suspiro de alívio, sentiram-se mais seguros e confiantes, porque a Onça Preta tinha morrido e não arrasaria mais nenhum ídolo de pés de barro, do tipo desse pernóstico Simonal, que degrada os Negros brasileiros com seus meneios e as músicas que canta tão falsificadas e pernósticas como ele. Sim, porque o perigo que os verdadeiros artistas oferecem é esse. Os figurões organizam a farsa,os prestígios dos valores importados, arranjam um patrocinador poderoso que também faça parte do jogo e então começam a impor a falsificação ao Povo. Aquilo surte efeito durante algum tempo, porque o Povo quer ouvir música, e como só aparece aquela, consome aquela mesma. Mas, um dia, quando os promotores da farsa menos esperam, lá um artista verdadeiro rompe uma barreira, e os ídolos desmoronam. Os promotores correm, para esconder o fato e reparar os estragos, mas é tarde: e lá se vão,num só momento, cinco anos de esforços para derrubar a verdadeira Cultura brasileira.

Foi o que aconteceu com Ataulfo Alves no último Festival em que ele tomou parte. Acusado de "quadrado", de "ultrapassado", de "reacionário", em dois minutos engoliu tudo quanto foi de cabeludo, de guitarra e de tropicalismo que apareceu por lá naquela noite - o que fez com o samba "Quis você pra meu amor, mas você não me entendeu", etc.

"Bem", perguntarão,"e qual é a solução?" Respondo: isso compete às pessoas como Theresa Catharina de Góes Campos. Seu livro será, daqui por diante,uma obra de consulta indispensável, não só para os técnicos como para fixar rumos teóricos àqueles que pretendam fazer da Televisão alguma coisa de sério e honesto. Para isto,são de importância capital pelo menos duas partes: a que ela escreveu sobre "A TV a serviço da Comunicação" e a outra sobre "O Teatro na TV". Theresa Catharina incluiu também um capítulo que trata do patrocinador de TV, explicando como ele atua e influencia - do mesmo modo que ela fez sobre o Diretor de TV e o Produtor.

Porque um país que está procurando se construir, como o Brasil, não pode deixar que sua Cultura seja ameaçada e degradada a cada instante, entre outras coisas pelos produtos falsificados e importados que,por força de instrumentos de comunicação poderosos como a TV, são impostos à força ao gosto do Povo. O Povo protesta desligando os receptores, o que só não se diz porque isso também"está fora do jogo". Mas a própriaTheresa Catharina de Góes Campos me chamou a atenção para um fato significativo: nos famosos "inquéritos de audiência e popularidade", a soma das cifras nunca dá 100%. Digamos que sejam dois os canais de Televisão pesquisados. O vitorioso alcança 22% e o derrotado 21%, enquanto a mesma pesquisa aponta 16% para o terceiro canal. Onde estão os 41% restantes? Eram televisores desligados. O grande vitorioso é o "canal mudo e cego", através do qual o Povo protesta contra a farsa.

Fora daí, cumpre-me destacar, no livro de Theresa Catharina, o "Dicionário Trilíngue" dos termos mais comumente usados na Televisão. Creio que é o primeiro que se faz , assim, no Brasil. Ele, e o livro todo, demonstram que o Governo deve intervir a sério nesse campo, no sentido de salvar,resguardar e prestigiar a Cultura brasileira. Nesse momento, as pessoas como Theresa Catharina de Góes Campos e obras como este livro são peças fundamentais, das quais nossa Pátria terá que lançar mão, para não desperdiçar valores e construir, aos poucos e em cada campo, a nossa grandeza.

Recife,23 de maio de 1970

ARIANO SUASSUNA
 

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