Dirigindo no Escuro
Comentários de Theresa Catharina
A comédia dramática urbana, contemporânea, ambientada no meio
artístico, " Dirigindo no Escuro" ( Hollywood Ending -EUA , 2002
- COR, 35 MM. , DOLBY, 112MIN. ), Seleção Oficial Cannes 2002, é
dirigida, escrita e protagonizada por Woody Allen.
"Ele tem Nova York nas veias."
(...) "O cinema é uma amante ciumenta."
Embora tenha personagens caricaturais, o roteiro apresenta
situações realistas e atuais, no contexto urbano e
cinematográfico de países ricos, expondo ao ridículo a indústria
de Hollywood ( produtores, diretores, agentes, técnicos e
artistas).
"Ele é o pior inimigo de si mesmo."
(...) "É um caso tipicamente psicológico."
(...) "Você tem fama de louco. Desta vez, veio a calhar."
(...) "Não é fácil encarar três horas de adulação."
O público vê-se na posição privilegiada de participar ,
assistindo ao filme, da rotina de filmagem. Acompanhamos até
algumas atrizes que buscam a fama rápida, as oportunidades
sonhadas, se oferecendo sexualmente ao diretor.
E comprovamos que, de fato, todos nós, dentro ou fora dos
estúdios, nos comportamos como seres humanos: frágeis,
vulneráveis, egoístas e com um certo grau de cegueira... Uma
cegueira psicológica, afetiva, existencialista.
"O amadurecimento genuíno é lento."
(...) "Não estou nervoso. Estou tenso!"
(...) "Sou um narcisista artístico."
(...) "- Acordei sem enxergar nada! Estou cego!
- Ninguém sabe! (...) Vai dirigir este filme e fazer dele um
sucesso comercial."
Os problemas do diretor não são apenas no estúdio e com os
executivos. Nem com a sua cegueira súbita, desconhecida por
quase todos. Ele não fala com o filho adulto há anos. Quando
tentam conversar, visando reatar o relacionamento familiar, o
jovem diz que aprendeu a se drogar com o pai, que recorria o
tempo todo a remédios, estimulantes e pílulas as mais variadas.
O diretor de cinema quer uma vida tradicional para seu filho
rebelde:
"Ele teria uma família e eu faria parte dela."
Hipocondríaco, com tendência à depressão, o diretor que precisa
reerguer a sua carreira não esconde a mágoa porque a esposa o
trocou por outro homem. Volta e meia, reclama, grita a sua
decepção. Confessa não entender as razões da separação.
"Três é uma multidão."
(...) "Aonde vão os casamentos?"
(...) "Fazíamos sexo. E sexo é melhor que papo! O papo é para
chegar ao sexo!"
(...) "O coração é imprevisível. Não é como o banco nem o
fígado..."
Téa Leoni, George Hamilton, Treat Williams, Mark Rydell e Barney
Cheng integram o elenco de " Dirigindo no Escuro", produzido
pela DreamWorks (estúdio de Steven Spielberg).
(...) "Agora eu sei por que os canadenses não cometem crimes..."
(Para entender essa referência, ver " Tiros em Columbine".)
Destaques: direção, interpretação, roteiro; a questão do
profissionalismo versus os interesses financeiros, abordada com
humor inteligente; a trilha sonora, cenografia e montagem.
"- Estou enxergando! Você está linda! - exclama, entusiasmado, o
diretor Val ( Woody Allen), elogiando a ex-esposa (Téa Leoni).
- É assim que a pessoa vê, depois que ficou cega por um
período!"
(...) "Você está tão linda! Todo marido devia ficar cego durante
uns tempos..."
A impertinência da jornalista que vai cobrir as filmagens
provoca desconfiança.
"Cuidado com ela. Andréa é mortal."
As questões afetivas também refletem atitudes freqüentes na
sociedade atual. Os diálogos levam ao riso, fazem pensar,
divertem.
"- Voltou a se apaixonar por seu ex-marido?
- Acho que nunca deixei de amá-lo."
Eis aí um tema recorrente nos filmes de Woody Allen - os
casamentos que foram desfeitos quando estavam em crise. Depois,
a atração que levou os casais a se unirem volta a se manifestar.
Não teria sido melhor, ao invés de recorrerem à separação,
solucionarem os problemas juntos, encarando as dificuldades
comuns com paciência e amor?
No clima de humor do roteiro de "Dirigindo no Escuro", os
traumas do próximo - por mais trágicos que sejam -como na vida
real, nem sempre são levados a sério.
"Não se preocupe. Vou melhorar meu papo furado."
O tema do diretor "difícil" no relacionamento com os atores e a
equipe técnica revela, igualmente, o contexto de interesses que
provoca discussões porque os objetivos se chocam. Os produtores,
os agentes pensam exclusivamente nos lucros possíveis, daí o
conflito com aqueles que visam à realização artística.
"Nada faz sentido!"
(...) "Incoerência? Ótimo! Era isso que eu queria..."
(...) "Não podemos julgar um filme pelos copiões. As cenas não
estão montadas!"
Ainda que os críticos e o público, na história abordada, tenham
falado horrores, nem tudo está perdido, ou melhor, outras
opiniões salvarão o diretor estressado.
"- Os franceses adoraram o seu filme. Dizem que você é um gênio,
não um idiota, um gênio!
- Graças a Deus os franceses existem."
"Dirigindo no escuro" : nas dificuldades das relações humanas,
mas também, confiando nas suas possibilidades, a interação
profissional consegue produzir uma obra criativa, capaz de
vencer , na sua realização e no seu diálogo com o público, os
momentos de cegueira de nossa vida.- |