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				Amores Parisienses  
				Theresa Catharina 
				 
				 
				Theresa Catharina de Góes Campos 
				Editora do Notícias Culturais (www.noticiasculturais.com), 
				é jornalista, escritora e professora universitária 
				 
				"Tu és como o vento, que faz cantar o violino e tem o perfume 
				das rosas...(...) Palavras, palavras... (...) As palavras ternas 
				e doces saem da minha boca, mas nunca do meu coração." 
				 
				"Amores Parisienses", o mais "recente" filme de Alain Resnais, 
				um dos nomes seminais do cinema francês inovador, mostra que o 
				diretor de "Hiroshima Meu Amor" (1959), "O ano passado em 
				Marienbad"( 1961), "Meu tio da América" (1980) e "Smoking/Non 
				Smoking" (1993) ainda faz, aos 80 anos, muito sucesso e por isso 
				continua sendo exibido nos cineclubes e no circuito comercial, 
				como atualmente em São Paulo. O êxito foi facilitado porque, 
				desta vez, sua obra não tem estruturas narrativas complexas, nem 
				script enigmático por suas visões psicológicas. Os atores Agnès 
				Jaoui e Jean-Pierre Bacri ( os roteiristas de "Smoking/Non 
				Smoking") escreveram o roteiro, cuja característica principal é 
				a fluidez, na descrição ágil das situações e reações humanas 
				facilmente reconhecíveis. 
				 
				" - Você amaria um homem doido? Doido varrido por você? " 
				 
				Homenageando, em seu contexto, a Cidade-Luz, e também, canções 
				populares contemporâneas (36 composições), o filme nos permite 
				um encontro com os anseios e problemas de pessoas da classe 
				média. Os seres humanos nem sempre dizem a verdade ou, nem 
				sempre as suas palavras refletem o que, na verdade, está 
				acontecendo em seu íntimo ou em sua vida. E, com freqüência, se 
				enganam na interpretação dos próprios sentimentos, deixando-se 
				iludir, igualmente, com as aparências enganadoras do próximo. 
				Carro e hotel caros seriam indícios de sucesso profissional e 
				financeiro...Camille mostra-se encantada, ao ver a Guarda 
				Republicana desfilar: "o uniforme valoriza!" 
				 
				" - Eu não poderia viver sem você...você sabia? 
				 
				- Não, eu não sabia." 
				 
				Obra realista, engraçada e romântica. Nela, é possível enxergar 
				as três dimensões da realidade: passado, presente, o futuro dos 
				relacionamentos.  
				 
				"Mascarar e trapacear para não sofrer muito." (Claude, sem 
				conseguir dialogar com a esposa Odile, interpretada pela 
				graciosa Sabine Azéma, de "Smoking/Non Smoking.) Ela reconhece 
				querer se mudar para um apartamento maior, num bairro chique, 
				mesmo que isso signifique uma dívida considerável. A todos, 
				trata com cortesia, exceto seu marido...embora ele até ajude a 
				mulher em algumas tarefas domésticas. Com seus amigos - o esposo 
				observa - mostra-se tão atenciosa que até parece estar flertando 
				com eles! 
				 
				" - Se não digo nada, eu observo tudo. Eu me reprimo..." 
				 
				E ocorre, algumas vezes, que Odile nem demonstra prestar atenção 
				às perguntas de Claude: não responde, fala de outro assunto, 
				comporta-se quase com indiferença. 
				 
				"Você não quer que eu dê minha opinião, Odile! Quer que eu 
				concorde com você. E fique feliz em concordar!" ( E tudo que o 
				marido lhe sugeria era que pensassem um pouco mais antes de 
				investir em um novo imóvel...) 
				 
				"Amores Parisienses" (On connait la chanson - co-produção: 
				França, Suíça, Inglaterra - 1997 - cor- dolby digital - 120 
				min.-35mm) é, de fato, o filme mais leve e divertido do 
				octogenário Alain Resnais, um musical diferente porque não tem 
				números de dança, mas reúne uma coletânea de canções francesas 
				que revelam circunstâncias, expressam emoções e pensamentos, 
				substituem diálogos dos personagens, urbanos e bem atuais. Os 
				versos manifestam tanto a fantasia, o sonho, como a realidade de 
				suas vidas, nas relações familiares e sociais, afetivas e 
				profissionais. Diálogos interessantes e canções muito bem 
				escolhidas para as situações e os personagens - tudo se encaixa, 
				tudo se mostra apropriado ao contexto da obra - que eficiência! 
				Quando se é competente, eis o resultado: obra de qualidade! 
				 
				" Não se pode ser muito sincero. É preciso ser um pouco falso. " 
				 
				No entanto, o pai de Odile e Camille é todo sinceridade e 
				tranqüilidade, inserindo-se nas circunstâncias como um 
				personagem que afirma sua presença, nos poucos momentos em que 
				aparece. Uma simpatia de pessoa! Com a sua sabedoria pragmática, 
				diz a Odile não entender um preço tão baixo para aquele 
				apartamento enorme... Quando Camille não se sente bem, o pai 
				logo quer saber se ela se alimentou, que tipo de alimento, ou se 
				deixou de comer. Lembra, com toda a sua simplicidade, que os 
				atletas se alimentam de massas e bananas, antes das competições. 
				Viajou seis horas para ouvir a defesa de tese de Camille, 
				entusiasmando-se com as observações elogiosas dos examinadores. 
				Apesar de reconhecer, sem rodeios nem acanhamento, que ele nada 
				entende do assunto, entusiasma-se: "Bravo, minha filha!" 
				 
				" - Vai começar...não consigo relaxar..." 
				 
				"(...) Tenho a impressão de que vou cair, morrer aqui mesmo. 
				 
				(...) Sinto um peso de duas toneladas e meio no peito..." 
				 
				E seu pai, contemplando-a carinhosamente: 
				 
				" - Isso não é nada. Com o tempo, vai passar. " 
				 
				Os adultos às vezes se agridem com palavras ou simplesmente agem 
				com descortesia. Quando refletem sobre esses erros, um pedido de 
				desculpas demonstra que chegaram à conclusão de que fizeram mal; 
				esse reconhecimento é bom para a convivência. Como também 
				funciona, ao se fazer uma besteira, reconhecer que cometemos um 
				erro grave, precisando correr para os braços de quem pode nos 
				oferecer carinho, apoio, até nos defender! 
				 
				Comédia dramática existencial, com romance e humor refinado, " 
				Amores Parisienses " apresenta-se como se fosse um teatro lírico 
				contemporâneo, uma típica opereta para os dias de hoje. Diálogos 
				comuns alternam-se com as cenas em que o elenco "canta" com as 
				vozes de Maurice Chevalier, Edith Piaf, Dalida e Alain Delon, 
				entre muitos outros. Jane Birkin, porém, dubla a si mesma. O 
				filme partiu de uma idéia do dramaturgo britânico Dennis Potter 
				(1935-1994), a quem "Amores Parisienses" é dedicado; em suas 
				obras, os personagens interpretavam, a todo momento, músicas 
				populares. O acaso e as coincidências têm papel fundamental nos 
				acontecimentos narrados pelo roteiro, como na existência de 
				todos nós, se refletirmos sobre essas surpresas tão comuns... 
				Mais uma obra de Alain Resnais que merece ser vista e apreciada 
				várias vezes! Uma jóia! E inteiramente rodada em Paris. 
				 
				" Ele te acaricia com os olhos." 
				 
				Original e criativo, além de agradável (desde a apresentação dos 
				créditos iniciais), reproduz, em suas primeiras cenas, o fato do 
				oficial nazista Von Choltitz desobedecer, na França ocupada, às 
				ordens explícitas de Hitler para destruir Paris. Explosivos já 
				tinham sido colocados em todas as pontes da cidade, mas o 
				militar tomou decisão corajosa. No filme, a voz de Josephine 
				Baker sai, sincronizada, provocando risos na platéia, dos lábios 
				de Von Choltitz, "cantando " o clássico, na versão francesa, em 
				que declara , como seus dois amores, o seu país e Paris ( "Two 
				Loves Have I "): "Esses dois amores encantam o meu coração." 
				 
				(...)"- Ser ajuizado é qualidade? pergunta Nicolas à sua amiga 
				Odile, que lhe fala sobre o marido. 
				 
				- Sim, é qualidade. " 
				 
				Vencedor de sete César 98, entre os quais o prêmio de melhor 
				filme, "Amores Parisienses" poderia ser previamente explicado 
				aos espectadores não-avisados como obra realizada na linha de 
				trabalho da comédia musical, dramática e romântica de Woody 
				Allen, "Todos Dizem Eu Te Amo", considerando-se que o público 
				jovem, e mesmo os adultos, levados pelo título em português, 
				reagem de forma negativa, diante da surpresa cinematográfica. 
				Constatamos essa reação da platéia, em diversas sessões. A 
				informação sobre o gênero, mais importante que a sinopse, 
				estabeleceria uma comunicação maior com o público ( 
				recomendação: a partir de 14 anos). 
				 
				" Ter um bom amigo é o que há de melhor no mundo" - reconhecem 
				Nicolas e Simon - este, apaixonado por Camille ( a co-roteirista 
				de " Amores Parisienses ", Agnès Jaoui), guia turística e 
				pesquisadora universitária. 
				 
				" - Passei a ser seu confidente: nada de sexo, só ouvidos." 
				 
				A possibilidade do riso "nas tristezas. Quando se tem um bom 
				amigo." 
				 
				Uma foto da família de Nicolas, mostrada a Simon em cena de 
				confidências, já tinha provocado anteriormente, da parte de 
				Odile, a observação de que se assemelharia a uma publicidade de 
				chicória... Simon, mesmo nas horas de trabalho, não tira Camille 
				de seu pensamento, vivenciando uma contínua "vertigem do amor". 
				Na sua presença, desdobra-se em atenções sinceras, na esperança 
				apaixonada de que ela compreenda que têm afinidades de 
				interesses. Camille lhe confessa estar trabalhando como " louca 
				", preparando-se para a defesa da tese dali a três dias e 
				continuando suas outras atividades. 
				 
				As contradições da vida universitária são, também, um dos temas 
				de " Amores Parisienses", que expõe os projetos aparentemente 
				sem utilidade próxima, sobre os quais poucos se interessam e, 
				ainda assim, essas teses são publicadas! E quem as estudou e 
				defendeu também parece não saber o que fazer dessas pesquisas no 
				futuro... 
				 
				"As canções, que funcionam como um coro, surgem para comentar a 
				ação ou sublinhar o estado de espírito dos personagens, 
				envolvidos em relações desajustadas em uma Paris romântica." São 
				situações de amor, intrigas e algumas revelações sobre as 
				pessoas que desfilam na tela, ante nossos olhos conduzidos por 
				diálogos, melodias, imagens e sons a comporem a narrativa. Esta, 
				inclui cenas absolutamente corriqueiras nas metrópoles, como 
				grupos de turistas, barulho do trânsito e de construções, 
				atropelamentos sem que o motorista socorra a vítima... E ninguém 
				anotou a placa do carro! 
				 
				Os personagens em primeiro plano, em cenários interiores, e a 
				visão da rua, através de balcões e varandas, ou janelas, por 
				onde se vê pessoas e veículos se movimentando, nas calçadas e 
				nas ruas, o que imprime uma característica realista, "ao vivo". 
				Ou durante a festa, alguns convidados conversam, desfocados, 
				compondo o cenário de fundo para os protagonistas. Na estação 
				ferroviária, barulhenta e agitada, a esposa de Nicolas tenta 
				dialogar com o marido. Na maternidade, não vemos os bebês, mas 
				ouvimos a sua "canção" exclusiva - o choro quase em coro! - a 
				invadir os corredor. E a bela paisagem contemplada, do 
				apartamento novo de Odile e Claude, nas cenas noturnas da festa: 
				a igreja Sacré-Coeur de Montmartre, a silhueta inconfundível da 
				Torre Eiffel, iluminadas e iluminando quem sabe admirá-las! 
				 
				"Gostaria que a terra parasse, para eu descer." 
				 
				"De nosso amor ardente restariam apenas cinzas" - canta (e atua) 
				Jane Birkin, com muita sensibilidade. 
				 
				Angustiada ao extremo, pede que o marido lhe fale a verdade...
				 
				 
				Afirma que prefere a verdade: 
				 
				- Diga "não consigo", "as coisas não vão bem..." 
				 
				Ela acredita que esconder a realidade nada resolve, complica, 
				multiplica os problemas, impedindo a sua solução. 
				 
				" - Por que você chora assim, constantemente?" 
				 
				Odile, Madame Lalande, é empresária e muito carinhosa com sua 
				irmã Camille, por quem se preocupa sinceramente. Odile, Camille, 
				Claude e Simon não fumam, nem a esposa de Nicolas (Jane Birkin) 
				- os outros, não largam o cigarro, o que chega a incomodar os 
				espectadores não-fumantes, entre os quais eu me incluo. Parece 
				até que sentimos o cheiro desagradável a nos atacar olhos, 
				narinas e garganta! Enquanto a anfitriã arruma as travessas de 
				salgados e doces, na cozinha, Nicolas fuma sem parar, 
				conversando ao lado dela... e o cigarro aceso pairando acima da 
				mesa, como espada de Dâmocles contemporânea, ameaçando os pobres 
				mortais não-fumantes e seus alimentos supostamente limpos e 
				saudáveis. 
				 
				Lambert Wilson, dono da imobiliária que era de seu pai, é o galã 
				da história: o jovem Marc (será que encontrou e bebeu da fonte 
				da juventude?!), elegantemente vestido, cortês para uns, 
				agressivo e indelicado com o seu empregado mais antigo e culto 
				(Simon). Constantemente trazendo flores para oferecer, Marc 
				encanta as mulheres. Sua capacidade de sedução traz resultados 
				rápidos, nos mínimos detalhes. Seu resfriado é confundido com o 
				que seriam lágrimas de uma suposta decepção amorosa, 
				beneficiando-se, assim, de uma falsa imagem de homem carente de 
				amor...ao ser observado por quem deveria se mostrar mais 
				inteligente! Marc usa e abusa de clichês, em seus diálogos 
				sociais, comerciais e sentimentais. Mas, tão elegantemente 
				vestido, o efeito de conquista é imediato! Uma de "suas" canções 
				bem define seu personagem, que "ama todas as garotas", sejam 
				quais forem e onde quer que estiverem. 
				 
				(...)"Quando se perde a cabeça, perde-se muito mais!" 
				 
				Destaques: produção, direção, interpretação, roteiro; temas, 
				personagens e diálogos; trilha sonora (mixagem, sonoplastia); 
				fotografia, cenografia (cenários interiores e cenas externas) e 
				objetos de cena; penteados e maquiagem; figurinos (Sabine Azéma 
				veste Christian Lacroix; Lambert Wilson usa Christian Dior 
				Monsieur); apresentação dos créditos iniciais e dos créditos 
				finais. Filme sem cenas de violência, baixarias ou qualquer tipo 
				de apelação, nem sensacionalismo. Sem linguagem chula, nem 
				gestos vulgares. Uma preciosidade do cinema! 
				 
				"- Por que (recomeçar)? 
				 
				- Porque eu esperei por você muito tempo." 
				 
				Entre os intérpretes das canções de "Amores Parisienses ", além 
				dos que foram citados, estão: Josephine Baker; Gilbert Bécaud; 
				Charles Aznavour; Jacques Dutronc;Sylvie Vartan; Johnny Halliday; 
				Serge Lama; Claude François; France Gall; Sheila; Albert Préjean; 
				Koval; Michel Sardou; Téléphone; Simone Simon; Dranem; Alain 
				Bashung; Pierre Perret; Henn Garat; e Julien Leclerc ... 
				 
				" Com o tempo, tudo passa. Esquecemos o rosto, esquecemos a voz. 
				Quando o coração bate mais forte, não vale a pena ir mais 
				longe." 
				 
				E vejamos o que escreveram alguns críticos: 
				 
				"Uma sinfonia" (Adriano Schwartz); "a vida a cantar" (Amir 
				Labaki); "diversão de mestre" (Christian Petermann); "música no 
				coração" (Inácio Araújo); "o discreto charme da burguesia" (João 
				Leiva Filho); "Resnais bem-humorado" (Suzana Amaral). 
				 
				Outra temática de " Amores Parisienses ": a questão do 
				profissionalismo entre os corretores imobiliários; as práticas 
				comuns que indicam falta de ética e, portanto, seriam 
				inaceitáveis e condenáveis; as omissões...essas informações 
				caladas que, na verdade, são mentiras a revelarem desonestidades 
				e prejuízos para os clientes. 
				 
				" - Sim, no trabalho de corretor, diz-se qualquer coisa." 
				 
				O roteiro apresenta situações em que os casais têm dificuldades 
				na interpretação das atitudes e palavras de seus cônjuges. Ou 
				"vêem" demais ou de menos! Ouvem e lembram o que deveriam 
				esquecer, para seu próprio 
				bem...Ou deixam de se voltar para o outro, de ouvidos atentos, 
				como acontece entre os amigos de verdade! Cena de jantar em 
				restaurante ilustra esse desencontro. No local, ouvimos também o 
				desabafo de jovem separada...Ela chega a confessar, à amiga, que 
				até se sente mal, ao contemplar toda aquela " felicidade " de 
				Claude e Odile, em mesa próxima. 
				 
				O problema do desemprego revela-se em sua face comum - a procura 
				durante anos, aainda que a pessoa tenha um bom curriculum. As 
				histórias se parecem... 
				 
				Para Odile, o que ela descumpriu, como empresária, pode ser 
				desculpado com a frase: 
				 
				" Nada é certo, enquanto não estiver no papel!" 
				 
				Otimista, pragmática em alguns assuntos, carinhosa com a irmã 
				Camille, que precisa ser interrompida ou perturbada em seu 
				trabalho de guia turística, para prestar atenção em quem somente 
				tem olhos para ela. Acontece que tanto Camille quanto Nicolas 
				enfrentam um problema de saúde real, embora quem não sofra desse 
				mal tenda a minimizá-lo. Ambos procuram médicos diversos, 
				entretanto, talvez porque não sejam sinceros nas consultas, 
				ouvem diagnósticos diferentes, conselhos contraditórios. Eles 
				mesmos não reconhecem seu estado depressivo, então, o tratamento 
				demora a fazer parte de seu cotidiano. Como espectadores, 
				refletimos, mas não deixamos de rir com o roteiro desse filme, 
				no qual a realidade é abordada com um talento especial e, mesmo 
				ao descrever um problema sério como a depressão, o faz de modo 
				divertido, assumindo um tom absurdo e autêntico de tragicomédia 
				cotidiana. Hipoglicemia, espasmofilia tornam-se assuntos 
				corriqueiros nos encontros sociais. 
				 
				"- E todos os remédios que toma! Para isso e para aquilo...Eu 
				nunca tomo remédios!" (...) 
				 
				" - O médico disse que ela está bem. Não tem nada de grave...só 
				um problema de nervos. Nada para se preocupar." 
				 
				O médico jovem e alegre recebe Nicolas em consultório onde há um 
				grande aquário. (Atenção para os versos detalhistas da canção " 
				Je suis malade " - Estou doente.) 
				 
				Outro médico, de mais idade, com a sua experiência tenta 
				tranqüilizá-lo: 
				 
				"Seu coração ainda vai durar bastante tempo. (...) Relaxe, ande 
				de bicicleta, não se preocupe tanto com as palpitações... ou vai 
				adquirir uma úlcera. Deixe seu coração palpitar...é natural." 
				 
				A médica irritada com a prescrição de um colega que 
				anteriormente tratou de Nicolas dá consultas em ambiente 
				ruidoso, enervante: através de janela perto da mesa onde 
				trabalha, sons estrondosos de máquinas de construção... 
				 
				Nicolas prefere ter depressão, a sofrer de câncer ou outras 
				doenças. 
				 
				" - E quanto tempo dura uma depressão? 
				 
				- A minha durou quatro anos. 
				 
				- Quatro anos?" 
				 
				Esse diálogo termina em cena de ternura e romantismo tranqüilo, 
				próprio das pessoas amadurecidas. Momento em que se aceita por 
				meio da reflexão, assumindo uma sinceridade íntima, o poder do 
				sentimento afetivo, que deve acompanhar o tratamento médico da 
				depressão tão comum entre nós... 
				 
				Em muitas circunstâncias, a verdade, de fato, incomoda bastante. 
				Aos pacientes, aos cônjuges, aos amigos e parentes, aos colegas 
				de trabalho. Daí a dificuldade que temos em aceitá-la em nosso 
				íntimo, muito menos verbalizá-la. 
				 
				Assim como participamos da animação de alguns personagens, em 
				seus preparativos para a festa, constatamos que a reunião social 
				também serviu de ocasião para os desagradáveis comentários, as 
				fofocas, intrigas e inverdades. Há pessoas que, sem a menor 
				cerimônia, tiram alimentos dos pratos de outrem! Ou se mostram 
				descorteses, maliciosos. 
				 
				O silêncio, a bagunça generalizada nos dirão que aquela festa 
				terminou, servindo de cenário para alguém que entrará em cena e, 
				olhando diretamente para a lente da câmera, isto é, olhando para 
				nós, espectadores, vai nos fazer uma pergunta perfeita para 
				encerrar a "nossa festa"... esse filme que Alain Resnais fez 
				para nós!
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