CINEMA


CINEMA: VER ... para SENTIR, PENSAR e SER.

Theresa Catharina de Góes Campos

Nem sempre é fácil indicarmos um filme ao público, justificando nossa opinião sobre a sua qualidade técnica, formal e/ou de conteúdo. Precisamos seguir um caminho profissional que reconheça nossas características pessoais e circunstâncias externas, além de exercermos a aptidão necessária da empatia, colocando-nos insistente e sucessivamente no lugar dos leitores e ouvintes. Nessa busca persistente, orientada pela consciência de nossa responsabilidade, iluminada pelo amor que devotamos ao cinema como "síntese de todas as artes", visamos, não à chegada de um porto seguro de "verdades"passivas, mas vislumbramos o empreendimento de uma viagem cultural, humanística e dinâmica, a cada dia reiniciada com maior entusiasmo (mesmo disfarçado,face à preocupação de objetividade).

De nós, jornalistas, formadores de opinião, numa atividade constante de procurar as informações, e num contexto de reflexão crítica, interpretá-las para que sejam encaminhadas aos que muito esperam de nosso trabalho, a sociedade aguarda nossa contribuição. Ao transmitirmos os informes - objetiva e subjetivamente (sim, o público quer a avaliação pessoal do crítico!), estaremos nos colocando em uma situação dinâmica, pois as nossas palavras provocarão efeitos individuais e no mercado. Compreender isso significa entender que somos responsáveis, também, no processo da comunicação cinematográfica.

Escrevo essas observações não somente para os meus colegas; dirijo esses comentários, também, ao público, para que se conscientize igualmente do que precisa exigir de todos os profissionais que assumiram a proposta de freqüentar com assiduidade as salas de exibição. Para confiar nos textos informativos/opinativos, a sociedade supõe a dedicação a uma atividade regular (jamais esporádica, eventual...) de comparecimento, estudo comparativo, pesquisa de bibliografia e filmografia. Assim, os conceitos emitidos (sejam de elogio ou repúdio) estarão fundamentados: na presença às sessões de cinema (em vídeo, dizem os entendidos, "não é o mesmo filme"); observação das platéias; verificação das condições da sala e da projeção; bem como leituras e conversas que representem um autêntico intercâmbio de pensamento.

Afinal, opiniões próprias não devem resultar de isolamento, e sim, de coleta de informações, análise desses dados e convicção no exercício do mister jornalístico. Embora se possa afirmar que a obra de arte vale por si mesma, o contexto em que a vemos influi, sem dúvida alguma, na apreciação que fazemos.

RITUAL DE CULTURA

A sociedade necessita do cinema como ritual de cultura. Uma prática salutar, intelectual, afetiva. Uma forma de lazer, muitas vezes; contudo, não podemos esquecer seu papel documental, sua ação denunciadora, perturbadora,seus convites à reflexão crítica.

Instrumento de educação da sensibilidade a idéias, sons, imagens, diálogos, expressões faciais; oportunidade para crescermos como seres humanos, saindo de nosso espaço individual limitado e penetrando nas mentes e nos corações revelados na tela, unindo as nossas preocupações às de outros povos, outras cidades, regiões, nações. Ouvindo vozes longínquas... Abraçando - sem sairmos da poltrona - companheiros de humanidade. Há ocasiões em que resistimos, porém a nossa comoção mostra-se mais forte, mais avassaladora, nesses momentos especiais, que o constrangimento social: e as lágrimas vêm, poderosas, inevitáveis porque o filme as provocou de imediato, sem nos dar tempo de erguer barreiras ou correr para a nossa solidão.

As nações se transformam em bairros conhecidos; os forasteiros, em vizinhos sobre os quais conversaremos depois da sessão com os amigos ou desconhecidos; familiarizados com o seu comportamento nas cenas a que assistimos, conhecedores de seus sentimentos e suas atitudes...até de seu vocabulário. E como ocorre na vida real, não é todo dia que lhes concedemos a nossa concordância; diretores e personagens ocasionalmente suscitam discussões acaloradas, sobretudo quando procuramos compreender os objetivos de seu trabalho. Estilos e linguagens tão diversificados proporcionam múltiplas escolhas, opções para estados de espírito do freqüentador, necessidades culturais as mais variadas.

Escrever sobre cinema demanda, além do mais, uma postura de incentivo a esse ritual de cultura. Damos o exemplo de comparecermos às salas de cinema, de conversarmos com entusiasmo sobre o assunto, de nos debruçarmos, diligentemente, sobre as leituras referenciais e outros materiais. Da empolgação com os travellings, as panorâmicas e os closes, retiramos o fôlego para vermos os filmes repetidas vezes, memorizando os diálogos preferidos, absorvendo as suas cores, luzes e sombras.

A interpretação nos convence e surpreende; a sonoplastia parece ter vida própria, a fotografia de qualidade transforma em quadros originais os lugares mais comuns.

Um bom filme: enriquece a nossa rotina! Faz, do ritual do cinema, em sua repetição convicta, uma festa,uma celebração da vida, mesmo quando se mostrou a morte em traços impressionistas ou na crueza do realismo-naturalismo. E a velocidade da projeção dos fotogramas, criando a ilusão do movimento, vivifica o que parecia fugaz, eterniza o temporário.

A JORNADA DO OLHAR

Numa peregrinação que pode até ser inconsciente, o trio coração- mente-visão (a ordem dos fatores é variável...) segue a jornada de filme a filme, num processo de capacitação emocional e de observações intelectuais aberto a qualquer ser humano que se disponha a conhecer o cinema cada vez mais intimamente. Acredito nos efeitos benéficos dessa jornada que nos aproxima de outros seres humanos, envolvidos na criação, realização e divulgação das obras cinematográficas. A sétima arte - em todos os seus estágios, entre os quais há desdobramentos como produtos comerciais disseminados no mundo inteiro (fotos,livros, camisetas,etc.) - emprega crescentemente um maior número de pessoas.

A necessidade da empatia é fundamental, pois não se trata de uma estrada de mão única...Ninguém realiza um filme para que ninguém o veja. Busca-se um público, limitado ou não. Encontramos, portanto, na peregrinação dos olhos que desejam VER, uma atitude, ao mesmo tempo passiva e dinâmica, de comunicação humana. A visão interior pode - e deve - crescer com o passar do tempo, exigindo um nível de qualidade.

Há numerosos exemplos na literatura e nos textos bíblicos que se referem aos olhos que não vêem, aos ouvidos que não ouvem... Nossa proposta de caminhada com o cinema representa a esperança de que a platéia se aperfeiçoe, concomitantemente, obtendo/alcançando os efeitos de um aprendizado humanístico.

A educação da sensibilidade conduziria a um respeito maior pelo próximo, à valorização da vida, à solidariedade e à criatividade. Isso não se restringe ao campo emocional. Sentir significaria uma abertura para a filosofia aplicada a nós mesmos e aos outros; uma oportunidade contínua e permanente de pensar em termos míticos e místicos; um repúdio a todas as formas de violência.

Pensar com sensibilidade inclui o próximo, em nossas opções. Bem sabemos que há filmes capazes de revolver profundamente nosso íntimo. Ao nos sensibilizar, o cinema nos transforma como pessoas. Comédia, drama, documentário, aventura, suspense...o gênero é uma questão da multiplicidade de escolhas a nosso dispor. O que importa: a qualidade dos filmes. E a nossa disposição de, em busca do lazer e da cultura, nesse ritual encontrarmos mais um caminho para SER.

* Theresa Catharina é Jornalista e professora universitária, fundadora e responsável pelo Cineclube dos Educadores.
 

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